sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Impressões sobre a esquerda israelense


Logo na primeira semana que cheguei na Palestina fui visitar um Kibutz[1] que fica exatamente na fronteira com Israel. Seus residentes possuem uma relação de cooperação com os vizinhos palestinos e, o que é raro por aqui, respeitam a linha verde[2] . Durante a conversa o representante do Kibutz, que nos recebeu muito bem, explicou a história do lugar fundado por socialistas argentinos nos anos 50. Falou também da relação com os vizinhos, mesmo após cinco de seus membros serem mortos por um palestino durante a segunda intifada, e sobre como havia se dado a negociação a respeito da fronteira com os palestinos[3]...

Depois de algum tempo falando lhe fiz uma pergunta: Existem palestinos morando no Kibutz? Existem árabes na comunidade? A resposta me mostrou o tamanho do problema: 

- Sabe como é... os árabes tem muita dificuldade em viver nesse tipo de comunidade, eles não aceitam bem...

- (EU) Mas também existem árabes socialistas.

- é, mas veja, eu tenho um amigo palestino comunista, às vezes eu vou a sua casa para conversar e enquanto estamos conversando sua mulher nos serve café...

Talvez sem perceber ele fez exatamente o que toda sociedade israelense faz quando chama todos os palestinos de terroristas. Ele em nenhum momento disse que os palestinos eram terroristas, mas assinou embaixo de vários outros preconceitos e estereótipos ligados aos árabes. Em sua curta resposta ele deixou a entender que os palestinos não tem capacidade de formas alternativas de comunidade, o que é um absurdo. Afinal, ninguém nasce com um DNA apropriado para morar ou não em um Kibutz. O fato dos judeus terem fundados esse tipo de organização tem a ver com suas heranças históricas e culturais, que podem ser bastante diversas dos árabes em geral, mas dizer que eles são incapazes? Fora isso, não vou nem comentar o fato dele ter citado a mulher servindo café como uma prova de o seu amigo “não ser bem comunista”. 
Para completar minha desilusão com a esquerda israelense, tive a oportunidade de conhecer uma senhora que pertence a um movimento que, dentre outras coisas, monitora os checkpoints [4]. Depois de um tempo apresentando o seu trabalho ela soltou um:

- Se eu tivesse duas esposas e 17 filhos eu também ficaria desesperada nas filas dos checkpoints.

Bom, quem conhece um pouco dos árabes, como essa senhora que trabalha diretamente com eles deveria conhecer, sabe que casar mais de uma vez é exceção. O casamento múltiplo não é comum. Eu, por exemplo, não conheço nenhum que tenha duas esposas. Fora isso, os palestinos que eu conheço possuem em média 6 filhos, nunca vi nenhum com 17. Pode até ser que exista, mas sem dúvida não é a maioria. 

Conhecer essas duas pessoas me entristeceu. Como eu disse: eles são a esquerda israelense, são pessoas que querem a paz, que fazem por onde, mas que infelizmente não foram capazes de fazer a crítica sobre o que lhes foi ensinado sobre os árabes, mesmo convivendo com eles diariamente. O caminho a ser percorrido é muito maior do que eu imaginava.


[1] comunidades em moldes socialistas criadas logo no início da colonização israelense que hoje funcionam mais aos moldes dos países nórdicos
[2]  a fronteira entre Israel e a Palestina reconhecida pelo Brasil e por muitos outros países, mas que o governo israelense não respeita uma vez que grande parte do muro está construído em território palestino, além da linha verde.
[3] uma fronteira foi estabelecida após negociações diretas entre vizinhos palestinos e israelenses. Infelizmente o acordo é ignorado pelo governo israelense, visto que reconhecê-lo significa também estabelecer fronteiras.
[4] entrepostos militares que regulam a passagem de pessoas entre os dois lados do muro, principalmente do lado palestino para o israelense.



Kibutz israelense. Ao fundo se vê a Palestina.

Casas e plantação dentro do Kibutz. Ao fundo se vê uma vila palestina em território israelense. 

4 comentários:

  1. bom 1o relato, nathalia!! serei leitor assiduo, entao manda ver ai!! boa sorte!
    q quer dizer com hj funcionam mais aos moldes nordicos?
    tente descobrir tbm oq diz a esquerda organizada israelense...deve ter movimentos, partidos, nao?!
    bjos
    marcello

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  2. Obrigada por perguntar Marcelo eu sabia que algumas coisas ficariam estranhas... eu não sou uma grande entendida da esquerda israelense, então vou te explicar mais ou menos o que eu quis dizer por países nórdicos. A questão é que os Kibutz abandonaram o modo socialista, quase ninguém do Kibutz trabalha mais dentro do Kibutz. As pessoas que trabalham na fábrica que existe dentro do Kibutz não são pessoas da comunidade, pq os israelenses da comunidade são hoje profissionais comuns que trabalham na cidades. Eles meio que adotaram o Estado de bem-estar social, e deixaram de lado o modelo socialista. Existe a princípio um mínimo muito confortável para todos, sendo que a educação é a melhor possível, mas cada um pode aumentar a casa se quiser - e se for autorizado - ter o carro que quiser, etc. Antes era todo mundo exatamente com a mesma casa, não podiam ter carros circulando, e todos trabalhavam na terra do Kibutz e tiravam seu sustento daí, que era partilhado por toda a comunidade. Quanto a esquerda organizada, os partidos, eu não saberia te falar muito bem. Só sei que essas duas pessoas que estão citadas são de esquerda pq elas se classificaram assim, não sei a qual partido elas pertencem em quem votam, essas coisas, nem saberia te falar mais sobre isso agora. Mas geralmente as pessoas da esquerda são a favor do reconhecimento do Estado Palestino e do fim da ocupação. E as pessoas da direita são contra o Estado Palestino e a favor dos assentamentos israelenses em território Palestino. Pelo que eu pude entender da única israelense que eu conheci aqui que é a favor da solução do estado único e laico para todos, israelenses e palestinos, essas pessoas não passam de 400 em Israel hoje, pelo menos foi o que ela me disse.

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  3. legal!! valeu pelas explicacoes!! poste umas fotos dos kibutz se e qdo tiver!!! seria legal ver...
    e qto à esquerda, uma hora talvez vc veja mais...vc vai a israel tbm? o proprio haaretz tem uma posicao mais à esquerda, nao?! acho q tem ate uma certa organizacao e talvez nao seja tao pequeno, mas eh q a maioria...

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  4. Sim, de vez em quando vamos a Israel. As distâncias aqui são ridículas, se não fosse o muro não daria para saber o que é Israel o que é Palestina, até pq algumas vilas foram dividas ao meio. Eu sempre leio o Haaretz e geralmente gosto, mas dizem q a versão em inglês é muito mais à esquerda que a versão em Hebraico, como eu não leio hebraico não posso te confirmar isso, mas faz sentido, uma vez q a direita por aqui anda crescendo cada vez mais. Vou tentar postar umas fotos aqui, vamos ver se consigo.

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