Quando me dispus a passar três
meses na Palestina, eu já conhecia bastante sobre o conflito. Foram, pelo
menos, dois anos de leituras dos mais diversos tipos: relatórios das Nações Unidas,
livros de historiadores israelenses e palestinos, jornais, relatos, entre
outros.
Eu esperava encontrar o que de
fato encontrei. Uma população fortemente armada e preconceituosa, do lado
israelense, e uma população amedrontada, desarmada e cansada, do lado palestino
(sem generalizações, obviamente). Do lado israelense, eu via pessoas fazendo
compras, correndo e levando os bebês para passear, com fuzis pendurados no
pescoço, por exemplo. Do palestino, as únicas armas com que tive contato foram as
de alguns poucos soldados que controlavam as “áreas D” (consideradas de total
controle palestino, em que, teoricamente, os israelenses – civis e militares - não
poderiam pôr o pé) e que sumiam quando os israelenses faziam suas incursões em
território palestino. Em geral, os palestinos tentavam evitar falar sobre o
futuro ou sobre política: “já tentamos de tudo, da resistência armada à resistência
pacífica”, “nossa vida só piorou”, “acho
que um dia teremos que deixar nossa casa para trás, como fizeram todos os
outros”, diziam .
Nesse curto período que estive na
Cisjordânia, eu vi todo o tipo de desrespeito ao Direito Humanitário
Internacional. Vi crianças serem revistadas todos os dias por soldados para ir
à escola; idosos impedidos de cultivar suas terras; autoridades palestinas com
acesso negado ao território ocupado e desrespeitadas por simples soldados
israelenses de 20 e poucos anos; meninos de 14 anos algemados; família inteiras
alvo de gás lacrimogênio e canhões de água fedida, por defenderem seu direito
de ir e vir; água palestina ser transferida para abastecer somente propriedades
israelenses; casas serem demolidas no próprio território palestino – quiçá por
pura maldade etc. Não preciso dizer que nada disso ocorre no sentido contrário,
preciso? De lado israelense, não existem confiscos de terras, casas demolidas,
prisões arbitrárias ou qualquer um dos absurdos que tive o desprazer de ver com
meus próprios olhos.
O horror era tanto que eu não
acreditava: tinha dias que eu ficava calada no meu canto, tentando entender
tudo aquilo. Como era possível? Em três meses, vi coisas que qualquer ser
humano normal duvidaria; preenchi formulários, fiz relatórios e tirei fotos dos
mesmos absurdos que muitas outras pessoas antes de mim já haviam presenciado.
Era impossível que ninguém soubesse o que se passava; então, passei a
desconfiar que todas aquelas pessoas e entidades que não se posicionavam de
forma contrária àqueles absurdos seriam cúmplices e, portanto, igualmente
culpados. A ONU e todas as suas agências, os Estados Unidos, a Europa e todo o
mundo é conivente com os abusos israelenses na Palestina, aquela terra sem lei,
onde um faz o que quer e o outro obedece, se não quiser ir para a prisão ou
para a cova. Dessa forma vive um palestino. Foi assim que compreendi as razões
de alguém que se explode ou mata uma outra pessoa a facadas: é o resultado de quando
tiramos a esperança da vida de qualquer ser humano.
Ver o que se passa em Gaza é
revoltante e me dá nojo. Cada soldado israelense que vejo falar em “direito de defesa”,
tenho náuseas, tamanha a maldade e perversidade. Pior ainda é ver que muita
gente defende esse absurdo. A ocupação israelense deveria ser considerada crime
contra a humanidade e todos aqueles que a defendem deveriam ir passar alguns
dias (não precisa ser sequer um mês) morando com os palestinos, para sentir na
pele o que passa essa gente.