sexta-feira, 13 de abril de 2012

O Difícil Retorno

Muita gente me pergunta a respeito da minha experiência na Palestina. Desde que cheguei, tenho tido muitas dificuldades em falar sobre isso. Falar dos Palestinos significa lembrar de pessoas que hoje são muito queridas e que estão sofrendo pelo simples fato de existir.  Quando me propus a ir até lá, eu sabia que quase nada eu poderia fazer para mudar os fatos, que a minha presença seria um mero paliativo; passar por esse processo, entretanto, é totalmente diferente de saber que isso ocorreria.  

Ler sobre a Palestina se tornou quase uma tortura. Jornais e revistas retratam o conflito de maneira totalmente equivocada. Primeiro, que eles mostram correspondentes estacionados em Tel Aviv, falando com propriedade do que se passa na Cisjordânia ou em Gaza1. Acontece que, morando em Tel Aviv, eles provavelmente só escutam as versões oficiais do governo israelense ou das organizações israelenses, que são, na sua maioria, totalmente enviesadas, para não dizer anti-palestinas. Seria o mesmo que colocar um repórter fixo em Gaza. Além disso, estar em Tel Aviv significa que você não tem qualquer contato com os territórios ocupados palestinos; existe não só uma barreira física entre eles2, como uma barreira psicológico. Só quem já foi à Palestina e a Israel sabe do absurdo que é ter um correspondente internacional que não transite entre as duas áreas.

Não sejam ingênuos de pensar que eles mesmos não sabem disso. Se eles não o fazem, é porque não querem mostrar a totalidade do conflito. Procure a respeito da libertação do soldado israelense Gilad Shalit, que você verá o nome dele estampado mil vezes, Enquanto os milhares de palestinos, inclusive crianças, que estavam e ainda estão em prisões israelenses,  não tem nome algum. Isso porque eles cometeram crimes bárbaros? 40% da população masculina palestina já passou pela cadeia ou segue encarcerada; nenhuma sociedade que possui um número tão grande de criminosos. Os palestinos não são diferentes nem de nós, nem dos israelenses3. Eu conheço gente que foi presa por hastear a bandeira palestina em cima de uma árvore; conheço até gente que foi presa e nem sabe o porquê (nesse caso, conheço muita gente).

Esses repórteres nunca conheceram (reparem que conhecer não significa ir lá pra dizer foi) a Palestina. Não existe a possibilidade de qualquer ser humano honesto ir à Palestina e retratar o conflito como uma guerra entre iguais, como eles fazem. Aliás, retratar o conflito como se fosse entre iguais já seria um avanço. Geralmente, esses repórteres tratam a questão como um conflito entre civilizados e incivilizados, em um cenário onde eles, os palestinos, atacaram os israelenses e, então, estes fazem uso da força para se proteger. Os palestinos lançam pedras e os israelenses se defendem com gás, armas, cães, bombas. Por que será que os palestinos lançam pedras? São malucos? Por que eles simplesmente odeiam os israelenses? Por que só os israelenses têm motivo para atacar? Pensem nisso.

E qual é o meu poder vendo todos esses absurdos? Nenhum. O máximo que eu posso fazer é escrever nesse blog, esbravejar minha raiva e minha revolta contra o Estado Israelense, contra a cobertura do conflito, etc... Que poder tenho eu? O problema que essa limitação de poder se reflete nos meus amigos que estão lá na Palestina, respirando gás lacrimogênio, tendo suas terras confiscadas, suas casas derrubadas, seus entes queridos presos, mortos. Assim a vida continuará, porque pessoas como a Nathalia não tem poder nenhum. Resta rezar, para aqueles que acreditam.


1Território palestino ocupado
2Um muro de 8 metros que não te deixa nem ver o outro lado


Esse é um vídeo feito em Kafr Qaddum. A mesma vila que eu tanto fui e acompanhei durante o meu período por lá. O cachorro do exército israelense ataca um palestino, e um outro palestino enfrenta os soldados para ajudar. Esse homem se chama Murad. Ele é uma pessoa muito querida por todos, e por esse vídeo já dá para se ter uma ideia do porquê. No final da gravação é possível ver que ele foi acabou sendo preso. A alegação era a de que Murad tinha atacado um soldado. Como as imagens são muito claras, o exército não teve como sustentar sua prisão, e ele acabou sendo liberado uma semana depois. Um caso raríssimo, uma vez 99% dos presos palestinos são condenados. Ver esse vídeo daqui do Brasil foi uma das experiências emocionais mais difíceis que eu já tive.



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